Dei
de cara com um post no facebook e resolvi escrever algo a respeito, não pelo
post em si, mas porque tenho ouvido algumas manifestações similares aqui e ali.
Pois
bem, antes de tudo deixe-me qualificar para o debate, já que como a autora da
peça coloca num de seus itens só pode participar do debate de forma isenta quem
conhece a realidade na carne. Pressuponho que ela tenha pelo menos em parte de
sua vida vivenciado essa realidade também, mesmo que ela se contradiga num
outro item, mas talvez seja uma posição ideológica, já que se for a favor pode
participar mesmo sem conhecer a realidade, se for contra e não vivenciou a
realidade é porque é reacionário.
Mas
vamos lá. Porque me acho qualificado para o debate. Nasci numa família pobre,
não miserável, pobre. Não, nunca passei fome. Pelo menos um pão com margarina e
café com leite sempre teve lá em casa. Meu pai, seu Aldo, um taxista, e minha
mãe, dona Alice, uma costureira, sempre trabalharam muito para colocar comida
em casa. Lembro com orgulho do esforço de minha mãe em virar muitas vezes 72
horas no ar no mês de dezembro para atender as várias freguesas. E do fato de
raramente poder ter meu pai em casa em feriados e fins de semana, porque é
nesses dias em que taxistas mais faturam. Estudei em escola particular graças a
uma bolsa de estudo, e a uma tia que comprava meus livros. Na minha infância
pizza era uma coisa que fazíamos em casa comprando aquelas caixinhas. Almoços e
jantares fora de casa, eram raridade, uma dúzia por ano. De ônibus conheço
muito, meu primeiro carro, conquistei aos 27 anos, 3 anos depois de formado,
uma Parati com 12 anos de uso, enferrujada e que parava de funcionar toda vez
que o motor esquentava. Fruto de 6 meses dando aula a noite até às 22:00 e nos
sábados muitas vezes. Isso depois de trabalhar o dia inteiro em outro lugar. O
segundo já foi um luxo, um Prêmio quatro portas com 8 anos de uso. Falando em
moradia, fui criado em Maceió, num conjunto habitacional, um prédio caixão,
construído a época no meio do mato. Depois de casado morei de favor num
apertamento de cerca de 45 m2
também um conjunto habitacional do SFH no qual faltava água com alguma
frequência e eu tinha que subir com garrafões de água 5 lances de escada porque
o elevador vivia quebrando. Para comprar meu primeiro apartamento financiado
pela Caixa, contei com a ajuda de meu sogro. Hoje graças a Deus e ao meu
trabalho, tenho uma casa própria, um carro um pouco mais confortável, e a
alguns outros confortos. Mas acho que estou qualificado pela minha história a
participar do debate.
Ah!
Tem mais uma coisa, já participei de protestos coletivos, e individuais, os
quais considero muito mais corajosos. Já desafiei a PM pessoalmente, e sem
nenhuma turba me acompanhando para que pudesse me esconder, por uma questão de
justiça.
De tudo que tenho lido e visto sobre os protestos em SP e no
RJ sobre o aumento das passagens, tiro algumas conclusões:
A)
Toda protesto é legítimo, é um direito inerente à cidadania,
mesmo que dele faça parte alguém que não tenha sido diretamente atingido por
alguma ação/omissão governamental, o que, diga-se de passagem, é mais raro,
porém muito mais nobre. Pensemos no exemplo de alguém que se locomove de carro,
mas pode estar participando dos protestos para defender direitos de pessoas
menos favorecidas. Assim, todos, absolutamente todos, têm o direito de
protestar por algo que entendem indevido.
Existem protestos legítimos e
ilegítimos como qualquer outra coisa na vida. De fato protestar é um direito
inerente a cidadania e permitido nos estados democráticos, já que nas várias
ditaduras existentes pelo mundo este direito é vedado. Participar de um
protesto mesmo sem ser diretamente afetado pela causa demonstra que a pessoa
não vive alienada do mundo ao seu redor, porém denota também um arcabouço
ideológico por trás disso. E aqui não estou emitindo um juízo sobre ideologia.
Ela não é boa, nem ruim em si mesmo. O que é muitas vezes questionável é como
nos envolvemos e o uso que fazemos dela.
B)
É difícil imaginar que milhares de pessoas estejam nas ruas
sujeitas a balas de borracha, gás lacrimogênio e spray de pimenta se não
estivessem se sentindo realmente desrespeitadas e vilipendiadas pelas
humilhantes condições enfrentadas diariamente no transporte público e, como se não bastasse, por ainda terem que
suportar um aumento que julgam indevido e que repercute substancialmente nos
seus ganhos salariais.
Essa afirmação em parte
contradiz a anterior, já que a primeira identifica a participação de pessoas
que estão lá apenas para defender o direito dos outros. E é inegável que muitos
protestos de fato escondem outras motivações por trás do tema apresentado.
C)
Quem não se utiliza do transporte público não tem como julgar
o mérito dos protestos de quem o faz, nem tampouco julgar que o aumento foi
insignificante (ah, só por causa de R$ 0,20 centavos??), principalmente se não
tem que pagar várias passagens por dia e não é obrigado a viver com um salário
mínimo por mês.
Aqui está posta a verve
ideológica da coisa. Vamos por partes. Considerando que a pessoa tenha que usar
o transporte duas vezes por dia, considerando uma família de 4 pessoas, e
considerando os 30 dias do mês, estaremos falando de R$ 48 a mais por mês. Para
quem recebe R$ 678 é muito sim, representa 7%. Mesmo considerando que em São
Paulo o salario da maioria ultrapassa os R$ 1000, ainda assim é muito. O que
acho esquisito é que não haja um protesto similar pelo caos da saúde pública,
que faz boa parte desse mesmo grupo, gastar mais de R$ 100/mes com atendimento
médico. Não haja protesto similar pelo descaso com a educação pública que faz
os que ainda conseguem gastarem dinheiro com o ensino privado de qualidade
também duvidosa. E como uma das causas primárias de tudo isso, não vemos, essa
turma se envolver em protestos contra os envolvidos em corrupção, pelo
contrário, em Pernambuco onde moro, Inocêncios são reeleitos com uma desfaçatez
ignóbil. Os nossos nobres citados no item A, são bem seletivos em seus
protestos. Vivemos num estado capitalista e democrático, onde as empresas
existem para ganhar dinheiro, cabe ao estado concedente do serviço fiscalizar a
qualidade e inibir os abusos, mas as empresas existem para ganhar dinheiro para
seus proprietários.
D)
Em qualquer protesto, sobretudo aqueles que contam com
milhares de pessoas, sempre haverá excessos e se afigura injusto intitular
todos os manifestantes de vândalos. Qualquer pessoa sabe que é impossível
controlar a atitude de todos os participantes, exigir que eles sejam doces e
respeitosos, que vistam camisas e saiam caminhando silenciosamente, que peçam
"por favor" para algo ser revertido, sobretudo quando se trata de um
povo tão massacrado pela corrupção e pela falta de decência e honestidade dos
políticos, bem como pela falta de condições dignas de sobrevivência. Vai ver o
aumento da passagem é o pingo d'água que faltava para o copo da tolerância
transbordar.
De fato a generalização é
burra. Mas é burra para ambos os lados, e quando digo ou insinuo, que quem
crítica é porque é alienado, também estou generalizando, e logo sendo burro.
Não, o aumento da passagem não é a gota d’água, mesmo porque logo, logo passa e
mais uma vez virá o carnaval que no caso de Recife e Olinda expulsa parte da
população de suas casas. Virá a Copa do Mundo que nos trará alguns feriados
para resolver o que o governo se omite. Virão mais bolsas qualquer coisa para
fomentar a candidatura de alguns, virão milhares de empregos em órgãos públicos
aparelhados e ideologizados. Mesmo porque não vemos muitos com coragem a
protestar contra os desmandos dos governos em todas as esferas, nem mesmo do
Ministério Público que por obrigação deveria labutar sempre contra esses
desmandos.
E)
É fácil criticar manifestantes e chamá-los de vândalos quando
o cidadão chega de um dia de trabalho pilotando um carro com ar condicionado,
tem comida na mesa, pode pagar seu plano de saúde e, no dia seguinte, não terá
que acordar de madrugada para novamente se submeter ao falido sistema
transporte público brasileiro.
Nesse item queria usar uma
frase meio chula, mas bastante popular: “Pimenta nos olhos dos outros é
refresco”. Gostaria muito de saber o que os intelectuais a favor do povo que se
envolvem nesse protesto, apoiam as invasões de terra de indígenas e apoiam os
MSTs da vida, achariam de ter seus apartamentos em Boa Viagem, Copacabana,
Morumbi, Ponta Verde, citando locais que conheço, invadidos e socializados? É
diferente? Porque? Essas áreas originariamente eram ocupadas por caiçaras.
A praia deveria ser um local
público, mas as mansões dos prédios residenciais a beira-mar impedem festas
populares porque isso gera muito barulho e os incomoda, quem lhes deu o direito
de privatizar suas praias. O que diriam se suas residências em Gravatá, Porto
de Galinhas, Serrambi e Tamandaré que ficam a maior parte do ano fechadas
fossem invadidas e usadas por aqueles que perderam tudo na enchente? Eu
pessoalmente pago meus impostos (metade do que recebo), e tenho que pagar por
saúde, educação, segurança e sem ser sustentado por ninguém, nem ter emprego
público.
F)
A polícia também pratica excessos e abusos como se pode verificar
em várias imagens que a imprensa tradicional normalmente não mostra por motivos
óbvios e que dispensam maiores comentários.
De fato. Num tumulto não há
como não serem cometidos abusos de parte a parte, só não entendo em que uma
bordoada de cassetete é diferente de uma pedrada na cabeça.
G)
Grandes conquistas são obtidas com grandes lutas. Se hoje
você tem direitos que considera óbvios, saiba que muita gente saiu da zona de
conforto e até derramou sangue para isso.
Se
formos buscar na história, considerando países democráticos, as maiores
conquistas foram com manifestações que começaram individuais e silenciosas, na
sua maioria pacíficas, vide a história de Rose Parks, de Martin Luther King,
Ghandi, Thich Quang Duc. Não podemos confundir protesto legítimo com atos
terroristas.
Essa
ideologia de que quem tem alguma posse é por isso desde já culpado, me lembra
certa feita em que trafegando aqui na cidade, por pouco não atropelei um menino
que noite estava quase invisível, por ser de pele escura e estar trajando uma
roupa escura, graças a Deus, para o meu bem e principalmente dele vinha devagar
e consegui parar. Ao me dirigir a sua mãe que estava do outro lado da rua e
dizer:
– Minha senhora não se deixa uma criança
pequena atravessar a rua sozinha.
Ouvi
de volta um sonoro berro cheio de ódio
– Voces – se referindo a mim –
tem é que morrer seus pestes.
Virei
inimigo daquela mulher só por ter um carro. Até entendo que pessoas que são espoliadas
a vida toda tenham algum sentimento deste tipo. O que não entendo é que pessoas
que tiveram privilégio ou oportunidade de ascender achem que o caminho que
solucionará o mundo venha de fomentar esse ódio, mesmo porque a história já
provou que os que hoje me odeiam, amanhã te odiarão facilmente, basta que em
algum momento você diga não.
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