Existe
um comportamento arraigado na alma do brasileiro que talvez não seja a grande
causa de nossa miséria como país no quesito social, certamente não é a única,
mas definitivamente muito contribui para as desigualdades e injustiças e
impunidade no país.
Estou
falando de algo que chamarei de Teoria da Justificação do Revide Social. O nome
pomposo é para chamar a atenção mesmo.
Nós
temos o hábito de defender nossas causas quase sempre como se estivéssemos num
jogo de futebol onde O importante é apenas vencer. Quantas e quantas vezes ao
termos o “nosso” lado acusado de se beneficiar de algo rebatemos sempre com a
argumentação de que o “outro” lado fez o mesmo, ou ainda, fez pior. Sempre
agindo como se a caracterização de um erro anterior, punido ou não, coibido ou
não, justificasse que o “nosso” erro também deva ser tratado com
condescendência.
Essa
cultura que justifica o nosso erro em função do erro dos outros permeia de tal
forma o tecido social brasileiro, como um câncer oculto, mas que corrói
qualquer possibilidade de sairmos de um atoleiro onde cada vez mais expertos
manipulam tudo.
Quando
circunscrito ao futebol, pode ainda guardar algo de pitoresco entre torcedores
apaixonados, mesmo que não concorde mesmo nesses casos com as alegações “que
todo mundo faz".
Lembro
de certa feita em que por pouco não atropelei um garotinho que atravessou a
estrada a noite com roupas escuras de forma que só o percebi em cima, ao parar
o carro me dirigi a mãe dele que estava do outro lado da rua o chamando, por
isso ele atravessou, e disse a ela: - Minha senhora não deixe uma criança desse
tamanho atravessar a rua sozinha. Recebi dela um sonoro grito: - Seus pestes,
vocês tem é que morrer. Pois é, na cultura do Revide Social Justificado, está
plenamente claro que ela pode me agredir porque um dia em algum momento foi
agredida, física, moral ou socialmente por alguém.
Quando
a violência nos atinge na cara, num assalto, numa agressão, estupro, por
atingir a nós mesmos, a um parente ou a um amigo, de pronto nos ouriçamos e
queremos justiça, porém nos esquecemos que este autor da violência pode
plenamente justificar seu ato baseado naquilo que entendemos como justo pela
teoria da justificativa do revide social.
Acham
que estou exagerando. Não se enganem, os mesmas sofismas que defendem a
impunidade de políticos porque os antecessores deles fizeram o mesmo ou pior, é
a mesma lógica aplicada pelo bandido da esquina da sua casa, pelo torcedor
violento, pelo flanelinha que riscará seu carro se você não paga-lo.
Mas
me incomoda ainda mais considerar que nas camadas mais incultas da população
pode até ser compreensível, falei compreensível, não tolerável, essa postura,
mas ao ver o mesmo comportamento nas camadas sociais mais abastadas, que
tiveram e tem acesso a formação superior, a cultura, o mesmo comportamento,
enxergar que tais atitudes beiram a um cinismo sem tamanho.
Não
estou defendendo ideologias político partidárias, mas a política do roubou, mas
roubou menos que o anterior, ou roubou mas fez, ou ainda corrompeu mas foi por
um bem maior, não creio que possa ser defensável por ninguém que preze o mínimo
de caráter pessoal. Não se conquista cidadania com atitudes de torcedor
apaixonado por futebol.
Se o
anterior era corrupto que lutemos por sua punição, mas isso não dá a Justificativa
do Revide Social ao atual de ser corrupto também, independente de mais ou menos
corrupto, se é que existe isso. Pelo menos para mim honestidade, integridade,
são como gravidez, onde você está ou não está gravida. Não existe uma mais
honesto ou menos honesto, não existe um mais íntegro ou menos íntegro, como não
existe um mais ladrão ou menos ladrão.
Se
não assimilarmos a ideia que o erro de outrem não pode ser a explicação nem
mesmo a justificativa de outro erro continuaremos vivendo em uma faroeste
caboclo sem fim, onde tragédias como a de Santa Maria no Rio Grande do Sul,
nada mais são do que reflexo das impunidades de tragédias menores anteriores.
Longe de não sentir a dor daquelas famílias, lembro que morrem mais de 100
vezes aquele número de jovens todos os anos no Brasil assassinados e para cada
um deles existe certamente a mesma explicação da justificativa do revide
social. Não se engane, a sua atitude de furar a fila por que outros já fizeram
isso com você, segue a mesma lógica e na prática é tão perniciosa quanto a
atitude do empregado que engana o patrão porque ganha menos do que acha justo,
do que a o patrão que não paga um salário digno porque ali fora tem um monte de
gente desesperada pela mesma vaga, que a do guri que rouba um celular porque
sua família nunca vai poder lhe comprar um, e no presidente que frauda,
corrompe em nome de um messianismo e ao mesmo tempo quer encobrir seus atos
apontando o erro de anteriores.
Como
disse acima, imploro que não sejamos os cínicos que sabem o que é o certo, mas nos
contentamos quer seja por interesses pessoais, ideologias, bairrismo ou o que
seja defensores da Teoria da Justificativa do Revide Social.
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